- Lembras-te de lá irmos os dois?
Antes?
- Antes de quê?
- Quando... antes de te ires embora.
- Não me lembro de nada, para quê? De irmos onde?
- Àquele bar giro… era parecido com
este, mas tinha umas cadeiras amarelas. Que praia era, lembras-te?
Fitaram os dois o mar, num silêncio constrangido. O mesmo mar,
outro mar.
- Não.
- Eu lembro-me. – inspirou – O teu
cabelo ficava com cheiro de sol. E maresia.
- Deixa-te disso, nem pareces tu.
- Porquê? O teu cabelo cheirava mesmo
a mar.
- Nunca cheirei a mar. Devia ser
outra. – Irritada.
Ele calou-se. Era ela, fora sempre
ela. Lembrava-se bem do seu riso de dentes quadrados, das mãos longas
movendo-se muito, das pernas bronzeadas contra o plástico amarelo, do reflexo
do sol nos cabelos pretos. Do aperto no peito e nas virilhas sempre que lhe
chegava esse perfume a mar.
- Só me lembro de um bar onde iamos
com os teus amigos à noite. Vocês bebiam imperiais e eu não tinha nada a ver
com aquilo. Era um tédio. – Uma careta.
- Nunca me disseste.
- Pois.
Ele sacudiu a cabeça.
- Mas não era esse, era outro onde
iamos só os dois.
- Estás parvo? Achas que não sei?
- Era outro. – Teimoso, com um olho
no passado. Ela respirou fundo, impaciente, e ajeitou a bolsa no ombro.
- Olha, como quiseres. Vou-me
embora, tenho gente à espera. Obrigada pelo café. Fica bem.
Despediu-se com um aceno e foi,
pondo fim ao encontro acidental e ao café que ele forçara. Desapareceu nas
escadas para o estacionamento. Ele ficou a olhar para o mar, para os
carneirinhos que se levantavam no cimo das pequenas ondas, embalado numa
sensação de nostalgia. O sol já prometia o ardor do verão. A cerveja estava
fresca e amarga. Havia um cheiro limpo a sal. Sorriu, com amargura. Não, não
tinha havido bar nenhum, mas não importava. O que importava era a maresia. E o
cabelo dela.
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