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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O homem de borco


O que quer que o homem tivesse para dizer nunca se ouviu. Porque ele abriu a boca e dela saiu apenas uma meia dose de fôlego, pôs-se vermelho e caiu de borco. Por dentro houvera debandada, como um tropel de cavalos assustados, agora estava tudo parado. Era dia sem vento, já não saía nem entrava pela boca que engolia terra, sem engolir nada. Olhos abertos, mas se viam era para longe, para além das cortinas pesadas na extremidade aterradora do mundo. Tal como o que o homem tinha para dizer e não disse, também isso jamais se saberia, a voz acabara‑se e acabara-se o homem.

Em seu redor, as respirações tinham-se espantado um instante, e agora moviam-se braços e pernas num socorro desnecessário. Daí a pouco gemeriam sirenes, para nada. Só levariam casca de homem. Os que esperavam para ouvi-lo, ao homem das palavras, olhavam agora em volta à procura de quem lhe descobrisse a última letra ainda dentro da boca, e pudesse com ela formar a palavra seguinte, e prosseguir onde ele se detivera. Ao homem levavam-no as sirenes. Mas não havia ninguém capaz de ver letras invísiveis, menos ainda de inventá-las, todos tinham ouvidos grandes e bocas pequenas, e olhos nenhuns para essas coisas.

imagem daqui