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domingo, 15 de dezembro de 2013

...não estou a dormir, Sebastião.

Conversas sobre o trabalho em Portugal n'O Cavalheiro Inglês.

"- Homem com a child... um filho a morrer ou doente trabalhar mal. Trabalhador produzir mais se não preocupar. And better. Melhor. E também achar que essa homem trabalhar mais para ficar com o seu posição, se família viver melhor. Dar mais valor?
Sofia calou-se, pensando na hesitação na sua voz, que transformava em pergunta o que não era. Observou uma senhora vestida de veludos que, muito bem acomodada na sua vitória de capota negra, admoestava suavemente uma criança pequena e corada, com um rosto redondo sob uma touca de rendas. Lembrou-se, com um peso no peito, do rosto magro do rapazito do talho, pensou no seu irmão tuberculoso, nos seus pais que, ao contrário desta mulher elegante com o seu filho gorducho, trabalhariam de sol a sol por quase nada.
- O que o Robert diz devia fazer sentido. Mas não é inteiramente verdade, pois não? – retorquiu com amargura.
- O que queres dizer, Sofia? – perguntou Tião.
- Eu sei que tu pensas que vivo nos meus romances, mas se me ouvisses entendias que não estou a dormir, Sebastião. Não sei muito de política, mas tenho os olhos bem abertos e bem vejo o que se passa à minha volta. Por exemplo, sei que, mesmo que um trabalhador ganhe uma ninharia e não tenha condições nenhumas, ou que os filhos estejam a morrer, continua a trabalhar porque tem que ser. E que há crianças a carregar carvão desde os quatro anos, e a trabalhar no campo, a entregar carne ou a trabalhar nas fábricas. Nas do pai também, julgas que não sei? Sempre houve trabalho de crianças a pôr carne nos nossos pratos, e nenhum de nós hesitou em comê-la. Não vou fazer-me de inocente, e tu também não devias.
 Sebastião, abismado e corado de fúria, ia interrompê-la, mas Robert deteve-o com um toque no braço. Sofia sorriu-lhe com tristeza e prosseguiu:
 - Que homem, mulher ou criança no nosso país deixa de fazer o seu trabalho, por pesado ou injusto que seja, quando há outros dez ansiosos por ficar com ele? Não lhe parece, Robert, que da forma como as coisas estão, qualquer trabalhador tem apreço pelo seu posto, bom ou mau? Não é assim no seu país?"

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