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sábado, 16 de novembro de 2013

Um excerto, pobres visitantes!

Tenho colocado poucos excertos do texto que ando a rever. Às vezes apetece-me, mas tenho pena de quem lê. Hoje não vou ter pena, cá fica um pedaço de texto, e não tão pequeno assim. É d' O Olhar da Besta, pois claro, por volta da pág 360, das 406 (em A4, em TMR 12, espaço e meio) que o livro tem. 



- Hector.
Empalideceu e abriu a boca para gritar. Fizemos barulho, como se reencontrássemos um velho amigo depois de uma longa ausência. Jonathan deu-lhe uma palmada “amigável” nas costas, que o teria lançado de nariz ao chão, se Mathilda não o tivesse segurado. Simulou um abraço que serviu para revistá-lo. Várias pessoas olharam para nós, e sorriram. Era um estratagema ridículo, mas era o que tínhamos e parecia estar a resultar. Hector levantou o queixo e murmurou:
- Vocês não podem fazer nada aqui.
- Claro que não, meu amigo. – A ameaça velava a minha voz. O desejo de lhe ferrar os dentes era tão poderoso, que me queimava as entranhas – Não vamos fazer-te nada... aqui.
O seu ar soberano, indignado, era quase cómico na circunstância.
- Vocês não se atrevem.Têm que deixar-me ir.
- Ora essa, nem pensar. Há tanto tempo que não nos vemos. – Arreganhei os lábios numa espécie de sorriso. – Queremos passar umas horas contigo, temos tanto para pôr em dia! Vamos divertir-nos juntos.
Ele arreganhou os dentes. Ainda estava convencido de que sairia dali sem problemas. Rosnei‑lhe baixinho, mas ele não se encolheu. Os seus olhos brilharam, em desafio. Inclinou-se para mim, para dizer:
- Mas eu conheço diversões bem melhores. O meu querido irmão, por exemplo, divertiu-se muito com...
 - E nós também vamos passar uns bons momentos... Vamos esforçar-nos muito, vais ver. É para que saibas a falta que nos fazes. – interrompeu Neil, empurrando-o um pouco, para impedi-lo de dizer as palavras que, sabiamos todos, me lançariam numa fúria. Assim mesmo, só me continha graças a expectativa do que poderia fazer-lhe daí a pouco – Vê lá tu, até viemos aqui só para te ter connosco.
- Mas vamos conversar noutro lugar mais confortável. – acrescentou Mathilda, empurrando-o com a ponta da faca de mesa. Ele ficou vermelho e as veias da testa pulsaram. Não contara nem com o nosso  desespero, nem com o nosso descaramento. Mathilda soprou-lhe, escorrendo mel – Excesso de confiança, meu querido. O Mark tem toda a razão, é isso que te perde. Já em rapaz eras assim, lembras-te de uma certa queda montanha abaixo? Pois é, pois é. Pena que não te tenhas matado na altura, tinha sido muito mais prático. – suspirou, como se apreciasse a recordação – Se calhar... e atenção, fofinho, isto é só uma ideia, tu é que sabes... mas se calhar devias ter trazido um ou dois dos teus amiguinhos. Para te ajudarem a carregar a malita, e tal. Estás aqui tão sozinho, que não resistimos a fazer-te companhia.
Hector abriu a boca, e tive a impressão de que se dispunha a pedir socorro, chamar a segurança. Inclinei-me na sua direção e, sempre sorrindo, sibilei:
- Se sair um som dessa boca nojenta, vai ser o último, ouviste? Tenho vontade suficiente de acabar contigo, para não me importar com o que me acontece depois. Não me importo mesmo nada.  
- Não é verdade, queres viver.
- Quero, mas quero-te mais a ti. – retorqui – Não te agrada? Devias ter pensado nisso antes de mandares o idiota do teu irmão morder a Camila, antes de morderes crianças e antes de matares a Anne.  Acredita, se abres a boca, aqui ou a caminho da saída, o som que fizeres vai ser o teu último. Somos cinco, e todos te odiamos o suficiente.
Senti-o estremecer e fraquejar pela primeira vez. Foi o suficiente para Jonathan começar a empurrá-lo discretamente para a saída. Aturdido, deixou-se levar, preso no meio de nós.
- Lembra-te que o silêncio é de ouro. - disse-lhe, quando nos dispunhamos a passar pelos procedimentos que nos permitiriam sair – E que eu estou pronto para tudo.
Não era bluff e ele sabia, nem mesmo Camila seria capaz de deter-me, e menos ainda os seguranças. Quando a Polícia chegasse, ele estaria morto há muito tempo. Vi-o fitar‑nos, assustado mas calculista, e baixar a cabeça, concluindo decerto que as suas hipóteses eram escassas ali dentro. Não acreditava por um instante que tivesse desistido. Sabia o que queríamos, e agarrar-se-ia à vida com unhas e dentes, literalmente. Talvez esperasse poder tentar a sua sorte mais tarde, atacar-nos ou fugir. Estava enganado. Já não me escaparia. Vinham-me ideias loucas do que queria fazer com ele, via-nos a caçá-lo como a uma animal, usando tudo o que pudessemos para causar-lhe pavor antes de o apanharmos, e depois a matá-lo devagar, sangrando-o, desfazendo-o aos poucos com os dentes... Ele seguiu, no centro do nosso grupo sorridente e falador, incerto do que poderia fazer e quando, e do que eu estaria disposto a perder para me vingar. Era assim mesmo que o queria.
A visão da porta, e da escuridão atrás dela, despertou-o. Estacou a meia dúzia de metros, resistindo à pressão de Jonathan. Este acenou com a cabeça e Camila puxou o saco de Hector e colocou-o no próprio ombro. Hector estendeu a mão instintivamente, para tentar recuperá‑lo, e a cabeça de Camila moveu-se, num gesto tão rápido e discreto, que só me apercebi do que fizera, quando a mão recuou, marcada por uma ferida ensanguentada, com a forma de uma dentada.
- Filha da puta! – rosnou ele, lançando-lhe um olhar assassino. Fiquei capaz de matá‑lo, só por isso, mas Camila segurou-me o braço, postou-se a milímetros do seu rosto e sorriu discretamente, lambendo o sangue dos dentes.
- És um querido, mas se tentas tocar-me outra vez, acabo o trabalho. De que dedos gostas mais? – murmurou, com uma voz tão doce que arrepiava. Ele encolheu-se, agarrado à mão. Sosseguei. Camila não precisava de mim para se defender. Talvez fosse eu quem precisava dela.
Eu preciso sempre dela, porque não nisto também?, pensei, sorrindo estupidamente.
- Vens quietinho, ou queres que te faça também uma festinha? – sussurrou Mathilda, passando o braço pelo dele. O gesto era amigável, para quem nos visse, mas ele estremeceu. Ainda assim, endireitou-se e retorquiu:
- Porque hei de ir, quando sei o que querem?
- Porque não tens outro remédio, amorzinho. Podes gritar, mas não te serve de nada. Viemos buscar-te, e vais connosco de uma forma ou de outra.
- Acham que vou facilitar-vos a vida? Não…
Não teve oportunidade de acabar a frase. 

1 comentário:

Clarinda disse...

Continuação de bom trabalho Carla!
bj