Terminada a revisão d'O Olhar da Besta, devolvido à gaveta digital, como deve ser, é altura de dar início a nova revisão, esta mais atenta e sobretudo mais trabalhosa.
Esta vai exigir, não só a verificação da verosimilhança histórica, por ser tratar de um romance de época, mas também que tome muitas notas e elabore uma cronologia e esquema de relações, porque deste livro, nascerão mais dois, talvez.
Chama-se, por ora, O Cavalheiro Inglês (sim, já ouviram falar dele), não tem capa nem sinopse, mas tem já alguma leitura beta e algumas opiniões favoráveis. A minha, que é a mais importante, é muito favorável - gosto muito deste livro, porque me diverti muito mais a escrevê-lo do que é habitual.
Um cherinho apenas, os primeiros parágrafos - os primeiros que hão de ser revistos assim que tenha tempo!
(3m http://www.dreamstime.com) |
Viajava há
longos minutos pelas páginas do seu livro. Virava-as devagar, indolente,
embalada pela trama familiar e pela luz cálida da tarde. O sol de Inverno
atravessava as vidraças escrupulosamente limpas e, sem a interferência dos
reposteiros pesados que as ladeavam, refletia-se em muitas cores pela salinha
demasiado cheia, nos vidros coloridos, brocados e cetins. Ela via-os, mas não
os via realmente, cenário vago que eram para a sua ausência temporária numa aldeia
distante e fresca do Alto Minho, entre folhagem verdejante, pedra granítica,
tradições antigas e amores atribulados. Sorria, como só se sorri perante as
páginas de um livro, deixando-se entusiasmar com um encontro fortuito entre
Jorge e Berta, de que podia antecipar o sabor porque...
- Morreu o Lopo
Vaz.
Sofia levantou
os olhos do livro, sobressaltada. Por um instante apertou-se-lhe o coração de
pavor, antes de perceber que o nome do falecido não lhe dizia nada. Não era
família, nem amigo seu. Obrigou-se a regressar à realidade. Olhou para o irmão,
de sobrolho franzido.
- Como?
- Morreu o Lopo
Vaz de Sampaio e Melo. Diz aqui. – O
rapaz sacudiu ligeiramente as páginas do Jornal do Comércio, como se a
explicação pudesse cair de lá para o seu colo. Sofia inclinou a cabeça,
tentando lembrar-se de quem seria esse Lopo Vaz. Não era a primeira vez que
ouvia o nome. Infelizmente, tinha sempre dificuldade em localizar nomes e
apelidos, a não ser que fossem relações pessoais ou personagens dos livros que lia.
- É um amigo do
pai? – acabou por perguntar.
Sebastião pousou
o jornal aberto sobre a mesa, cobrindo com as páginas sujas uma variedade de caixinhas
de casquinha e de prata com inscrustações de jade, e três pequenos pratos
pintados que já tinham servido de providencial cinzeiro para os charutos malcheirosos do pai. Sofia conteve um sorriso. Se a mãe o tivesse visto! E se visse
agora o jornal em cima das suas coisas! Espreitou a porta, esperançosa,
desejando essa pequena vingança para as muitas arrelias que Sebastião lhe
causava. Mas a porta não se abriu e Sofia devolveu o olhar ao jornal. A luz
intensa dessa manhã do fim do Inverno, tão diferente da sombra eterna de Sintra,
incidia sobre os altos e baixos das folhas, iluminando as letras escuras.
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