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domingo, 27 de outubro de 2013

Insidiosa

É uma coisa frágil, a esperança, e insidiosa. Cresce nos recantos escuros mesmo quando te prevines contra ela e a razão avisa o resto de ti contra os seus ardis. A sua habilidade para se alimentar de nada e inchar, mesmo quando a confinas, é devastadora. Faz parte da nossa natureza, aspirar ao melhor. Faz parte de nós, deixarmo-nos ir em sonhos e planos, batalhar mesmo contra as probabilidades. Faz parte de nós continuar a fazê-lo quando nos empurram. Não sabemos viver de outra forma, porque se abrissemos os olhos ao mundo sem esta centelha ilusória, talvez não quisessemos prosseguir.
 
Continua-se, pois. Assentamos os pés nos mais pequenos recessos, para trepar a escarpa, com os olhos no topo, ignorando de propósito que não resta nenhuma reentrância que ofereça apoio. Observamos como outros lá chegaram, e entre a impressão esmagadora de que os nosso caminho é infinitamente mais longo, talvez impossível, e a maldita esperança de um dia lá chegarmos, ignoramos o coração que pede para desistir, trepar outras montanhas mais fáceis, montanhas mais secretas, e sangramos as mãos na pedra, à vista de todos.

Está a ser assim o meu progresso... mentira. O meu retrocesso, enquanto escritora. A escrita é em si uma dolorosa escalada, a qual se acrescenta a outra, a de se ser finalmente lido. Nisto, remeto para este texto do Paulo M. Morais, por motivos que infelizmente conhecemos os dois. Não sei se me apetece seguir quando, como diz o Paulo, tenho à frente o abismo, um trambolhão montanha abaixo, ou, quando muito, uma estagnação dolorosa onde o vento ainda sopra frio. 

Por alguma razão está a maldita esperança no fundo da Caixa de Pandora - não um bem no fim de todos os males, mas, se calhar, o pior deles, o que te faz erguer os olhos para o sol, mesmo quando sabes, quando a razão te avisa, que te cegará.

 

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