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domingo, 2 de junho de 2013

A Tábua de Flandres - Arturo Pérez Reverte

No centro desta história de crime e paixão (pela arte e pelo xadrez) está um suposto quadro, A Partida de Xadrez, a que os proprietários chamavam A Tábua de Flandres. O autor atribui-o a um suposto pintor da escola flamenga do século XV, Van Huys. Numa pesquisa rápida, descobri a imagem abaixo, com o nome dele, e durante um bocadinho fiquei convencida que era a do livro.


Depois, já a mais de meio da leitura, pus-me a pensar nos detalhes do quadro, nomeadamente em certo pano verde na mesa, que esconderia determinada inscrição inserida pelo pintor - precisamente a que despoleta todo o caso. Sim, esta podia ser uma péssima imagem e estar cortada. Não consegui encontrar outra. Uma segunda perquisa, porém, disse-me que sim, houve um Van Huys, mas que não, nunca pintou este quadro, que as personagens masculinas nunca existiram e a única Beatriz de Borgonha viveu muito antes. Foi quando decidi que pouco importava: o quadro que acima vêm, seja ele de quem for, tem que ter sido a inspiração para o do livro, de tão semelhante é, e todas as considerações relativas à escola flamenga e à pintura em geral são fascinantes, porque vão de encontro a tanto que ouvi durante os meus dois recentes e saudosos anos a fazer os seminários para o doutoramento em História da Arte (que provavelmente nunca vou acabar). Está tão perto da minha perspectiva que, em momentos, parecia estar a reler-me, nalguns ensaios para este ou aquele seminário.
 
Postas de parte as considerações relativas à arte, vou falar... de arte. É impossível colocá-la de lado em qualquer ponto de uma opinião sobre o livro, porque ela está em toda a parte. Nas personagens, que estão todas, menos uma, relacionadas de uma ou de outra forma com a arte, na intriga, que se centra numa fusão entre o mistério do quadro, um crime com quinhentos anos, e crimes actuais, que vão ancontecendo em torno do quadro, e está na voz do autor, que fala sobre arte a todo o instante, com uma desenvoltura e naturalidade que acho fascinantes. Não digo que fale de forma sempre inteiramente clara, mas para mim tudo faz sentido, e resguarda um certo mistério. Afinal, o livro é sobre um mistério antigo, e um mistério novo.
 
O outro aspecto relevante é o xadrez, que está presente no quadro e serve como base para o desenvolvimento da intriga - os crimes e as suas soluções apresentam-se como problemas de xadrez. Quando compreendi isso, receei aborrecer-me, porque não entendo nem sou fã do jogo. De nenhum jogo. Pensei que me escapassem as "jogadas", por não entender a linguagem. E é verdade que em certos pontos específicos, sempe que as jogadas são apresentadas em esquema ou com numeração, ou que se falou da deslocação de peças, me senti um pouco ultrapassada - mas ainda assim  fiquei surpreendida com a facilidade com que consegui seguir os raciocínios dessa linguagem lógica e matemática que se usa para o xadrez. Virtude do autor, com certeza! Não me rendi ao xadrez, não fiquei com vontade de aprendê-lo, mas rendi-me ao livro e à forma como se entretecem a lógica deste jogo, a do outro jogo de "esconde e mostra e reflecte" que é a pintura, e uma dose impressionante de humanidade. As personagens são magistrais.
 
Lamentei uma coisa apenas, que em nada estragou o prazer imenso desta leitura, e que não é culpa não deste fantástico autor: suspeitei da identidade do criminoso/a (queriam um spoiler? Não há!) desde muito cedo. Para mim é a personagem lógica, é a fim lógico, é a solução possível para que o livro faça sentido. Teria ficado desapontada se não fosse, e fiquei desapontada por ser. Mas que difícil de contentar!!

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