Páginas

domingo, 14 de abril de 2013

O português

Muito antes de me aventurar na escrita já eu era leitora, porque sou leitora desde que me lembro. Como as outras crianças queriam bonecas ou doces, eu queria livros.
 
 
Esperava ansiosamente pelas compras quinzenais, que na altura os meus pais faziam no Alfeite, uma espécie de hipermercado para quem tinha ligações à Marinha. Aturava as compras com a paciência que nenhuma criança tem porque sabia que, no fim, subíamos ao corredor no primeiro andar - uma espécie de varanda larga onde se vendia tudo o que não era alimentar, excepto vestuário, e seguíamos espreitando aqui um candeeiro, ali uma... não sei o quê, só me lembro dos candeeiros porque alguns tinham pingentes brilhantes. A livraria era quase a última "loja". O volume que comprava não chegava para os 15 dias, nem para cinco. Por isso, conforme fui capaz de ler mais e melhor ao longo da primária, fui correndo os clássicos que os meus pais compravam ao Círculo de Leitores. Uma visita deles não era uma chatice para mim. Era dia de festa. E fui lendo o que mais houvesse lá em casa, às vezes sem entender.
 
Li sempre muito, portanto, menos na fase parva da adolescência, mas muito. Li (e leio, às vezes com prazer) muita porcaria, mas também boa parte dos clássicos portugueses, os da escola e outros, alguns clássicos franceses e muitos ingleses. Posso ter gostado mais ou menos das histórias, mais ou menos do estilo - alguns são aborrecidos - mas, minha gente, não li nenhum que tivesse erros ortográficos, erros gramaticais, erros de pontuação. Quanto muito, teriam um estilo ultrapassado ou excessivamente cheio de arrebiques, ou uma pontuação propositadamente alterada ou ausente, mas isso é Picasso. Na sua primeira fase, Picasso montou a imagem. Seguiu as regras, aprendeu. Depois desmontou-a  e, goste-se ou não, o que não se pode dizer é que o homem não sabia pintar.
 
Isto para dizer que, num bom livro - não tem que ser um clássico, um qualquer livro decente - uma história com nexo e uma escrita correcta têm que andar de mãos dadas. Não digo sequer bonita. O que é bonito para mim pode enervar o próximo. Há quem prefira floreados, há quem prefira um estilo mais seco, há quem goste de introspeção, quem prefira uma escrita mais dinâmica. Na história, há quem goste de linearidade, do conforto da previsibilidade, há quem prefira ser incomodado e surpreendido. Tudo é válido,  porque não? É válido, desde que escrito correctamente. Com os termos certos, as palavras bem escritas, as concordâncias verbais, a pontuação. Atenção, não falo de gralhas, falo de erros. Erros. Aos meus olhos, uma má escrita neste sentido reduz, e muito, o valor do livro, porque reduz o prazer da leitura. Distrai. Enerva.
 
Por isso sou uma chata, com muito prazer. Antes de o ser com o que leio, sou-o com o que escrevo, não crítico nos outros sem olhar para o meu umbigo. Não se trata, repito, do estilo, isso é com cada um. Erros. Quando acabo comigo mesma, depois de duas, três revisões do texto, deve haver pouco para corrigir, porque eu já passei o meu próprio crivo nazi sobre o que fiz. Mesmo assim, dou o que escrevo a ler a outros, pessoas diferentes, e aceito as suas críticas. Não têm sido muitas, nesses aspecto, mas mesmo assim costumo rever de novo. O que não aceito é que por lá andem pontapés no português a destruir os meus esforços para contar uma história que alguém, uma pessoa que seja, possa ler com prazer. Se é em português que escrevo, tenho que respeitá-lo, e faço o melhor que posso. E se não chega, faço outra vez. Claro que também espero que a editora me aponte o que possa estar mal (não me apontou nada, na verdade, a não ser uma dúvida com um nome de um lugar). Nem toda a gente tem editor, o que implica ainda mais exigência consigo próprio, passar o livro pelos olhos de alguém que seja, como eu, um nazi do português, antes de o submeter aos olhos do mundo.
 
Embora ser agressiva na opinião não seja do meu feitio, sou igualmente crítica quando leio, o que já tem caído mal. Para ser justa, não posso ler a pensar se o escritor é  mais velho ou mais novo, tem mais ou menos experiência, se é português ou de outra nacionalidade... mais depressa desculpo o de outra nacionalidade se o português for mauzito, mas não desculpo o tradutor. Preciso de notar, preciso de apontar, é isso que se faz quando se opina. Como podia ser de outra forma?

Estão à vontade para discordar.

3 comentários:

Ivonne Zuzarte disse...

Eu não discordo. Gostei muito do texto!

Também devo dar pontapés na gramática a torto e a direito, mas tento mesmo corrigir-me e até leio n vezes em voz alta para detectar os erros!

Quanto à leitura, e apesar de não ser exímia na língua, quando detecto uma palavra que não me soa bem, vou ver ao dicionário. Já aconteceu - e não pela última vez - o site não encontrar a palavra, ou eu não a escrever correctamente e fazer má figura. Mas... uma pessoa aprende com os erros, não é? :D

E tudo o que sei, mesmo que seja pouco, adveio das aulas de português e das poucas leituras que tenho feito ao longo dos anos.

Agora por falares nisso, lembraste-me. Uma das resoluções para 2013 era apostar na língua e aumentar os conhecimentos -.- não percebo nada das regras. Tristeza :'(

Anónimo disse...

Eu sempre fui daquelas que dizia "não gosto nada da disciplina de português" sempre tive na corda bamba e apesar de uma professora do 10 ter dito que tenho talento preciso é de tar atenta e escrevia bem eu nc prestei atenção a português, sempre preferi os números, ciência etc e não percebia como havia miúdos que detestavam matemática...mas era cm eu e língua portuguesa. Á medida que fui crescendo fui-me apaixonando pela escrita, livros etc e tinha imenso problema com "onde se mete vírgulas...só nas pausas da leitura? atrás do quê, depois do quê...." já pensei em estudar de novo tipo um português para dummies e fiz o blog em 2009 com o intuito de melhorar na escrita e quando vejo algumas opiniões antigas acho que melhorei :D...mas ainda tenho um longo caminho XD.

Eu sou é mt apressada mas tenho tido mais cuidado no que publico mas sempre fui assim, impulsiva: tá escrito e post XD depois vejo os n erros XD

mas concordo e gostei muito deste texto :D

bjs*

Unknown disse...

Olá Carla,
Tal como tu li muitos clássicos na adolescência, a minha mãe fazia questão disso.
E concordo com o texto, claro. Há erros que nos deixam doente. Acho que hoje em dia se fala cada vez pior e, obviamente, se escreve cada vez pior. Conheço pessoas que, apesar de lerem bastante, não acertam um "suponhamos", outras que dizem "Eu não me acredito" (confesso que esta me deixa doente) e outras que insistem no "Á". E o "-mos" que é tão utilizado também me faz alguma confusão. Mas a verdade é que já encontrei vários erros ortográficos em livros, coisa que não considero admissível.
Eu faço um esforço enorme por não dar erros, utilizo imenso o dicionário e tento aprender sempre (no meu caderno de apontamentos há sempre folhas com "palavras difíceis").
Gostei muito do texto, estava aqui para comentar há imenso tempo...