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quinta-feira, 25 de abril de 2013

25 de Abril... de 2012 (sim, e de 74)

Há um ano atrás o dia acordou molhado e prosseguiu sob um dilúvio de proporções bíblicas. O dia inteiro cá por casa se olhou para mim com compaixão, coitada, e eu repeti "deixa lá, paciência", enquanto por dentro amaldiçoava S.Pedro e as condições atmosféricas, e secretamente achava que era de propósito. Saí mais cedo com receio que a chuva me atrasasse, e cheguei mais do que a tempo. Por lá já tinha quem esperasse por mim, não só quem por profissão tinha que lá estar, mas alguns alunos, uma amiga muito querida do Porto que veio só por mim, outra que não via há anos, família, muitos amigos. A chuva abrandara um pouco e tornara-se uma morrinha desagradável.
 
Havia grande afã, tentando encaixar bancos e cadeiras espalhados pelo recinto sob uma tenda central, e a gente lá a encheu, até aos limites. Os restantes, os meus queridos alunos, por exemplo, aconchegaram-se como puderam sob os guarda-sóis, transformados em guarda-chuvas. Uns quantos passantes também pararam, para ver o que havia. Uns ficaram, e o espaço, um espacinho, ficou a abarrotar. E foi tão bom vê-lo assim, eu que receara falar para os meus pais e tios, marido e filhos, e dois ou três amigos!

 
Peço desculpa se vos falo de mim neste dia de Abril, mas não posso evitá-lo: 25 de Abril passou a sero dia em que o meu primeiro livro foi lançado. Que tenha sido em dia importante não foi coincidência.
 
 
- Olha esta! - há de dizer quem lê - Que importa isto num dia como hoje?
 
 
 
Para vós, nada, é evidente, e eu reconheço a minha insignificância um dia como hoje e quase vos peço desculpa. Quase, mas não peço, porque para mim significa muito, altera para sempre a visão mais ou menos distanciada da revolução, e quem não viveu o Estado Novo e era demasiado pequenina em 74. O blogue é meu, sou livre de escrever o que quiser, e vós de ler ou não, e de pensar bem ou mal - tudo isto é liberdade também, proíbida antes de certo Abril. Escrever é liberdade, mais do que isso, é libertação.

Mas sobre isso, sobre liberdades, farei um post mais logo, se ainda me apetecer.

 
Agora a data lembra-me sempre primeiro o nervoso miudinho com que acordei, a desolação de olhar para um céu de chumbo, e da alegria por ter presentes tantos amigos. Lembra-me a chuva caindo sobre a bancas da Feira do Livro de Lisboa, o desconforto absoluto, não pela chuva mas porque tinha um corte de cabelo novo que não me agradava nada, e porque sou terrivelmente tímida, embora ninguém acredite, e comunicar com desconhecidos é uma luta. Lembra-me a autora Maria João Martins falando de liberdade e das mulheres doutro século, elogiando o texto, o mundo de rostos sob a tenda, o senhor da editora de de quando em quando levantava uma ponta para derramar uma cascata para o passeio e evitar que a assistência levasse um banho de água suja... os autografos, os cumprimentos. Sabe quem lançou livros como foi essa sua primeira vez.

 
Correu muito bem, afinal, o livro foi atirado ao mundo (na verdade, já tinha sido, e já o festejei com um passatempo, digamos que aqui foi "baptizado") e ficou por aí, sujeito ao seu olhar inflexível e eu exposta e ansiosa. Invejo os autores que não se importam com as opiniões, felizes deles. Não sei se alguma vez atingirei a libertação desse distanciamento, nem que publique dez livros.
 
 
"Deve ser, deve, dez livros", pensa quem lê.
 
 
É minha a liberdade de sonhar, vossa a de pensardes o que vos aprouver.

4 comentários:

Unknown disse...

Tens todo o direito de ficar feliz e de partilhar connosco essa felicidade. Parabéns, Carla.

Ana C. Nunes disse...

Carla,
A tua felicidade é tão válida como qualquer outro momento histórico e compreendes-e perfeitamente que agora associes este dia a algo tão teu. Eu faria o mesmo. :)
Muitos parabéns pelo 1º ano desde o lançamento, e que muitos outros livros sigam este (mais de 10, até).

Cristina Torrão disse...

Não sei se haverá autores que não se importem com as opiniões. Mesmo que o digam, estarão a ser sinceros? A não ser que se atinja um patamar superior, quase divino, como Saramago...

Carla M. Soares disse...

Obrigada, girls.

Cristina, realmente não sei se há autores que não se importem com as opiniões mas, se os há, eu nunca serei um deles. Pior, tenho sempre a impressão de que falhei qualquer coisa... :P