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quinta-feira, 21 de março de 2013

A Rapariga que Roubava Livros, de Markus Zusak, e uma caixa de lenços

Acostumamo-nos, ao longo dos anos, a uma visão unilateral da segunda grande guerra. De um lado, os malvados alemães, todos eles nazis, evidentemente, com meia dúzia de amigos italianos e outros que tais. Do outro lado... o resto do mundo. Os judeus e outros renegados, claro, aos quais não se pode negar uma grande quota do sofrimento injusto desta guerra, os povos dos países invadidos com as suas resistências, os Aliados, etc, etc. Pouco nos lembramos de que a guerra é, na sua forma de espalhar o horror entre os civis, terrivelmente equalitária. Quando vem, a morte cabe a todos, invasores e invadidos, a fome atormenta todos os estômagos, o medo todas as almas. E como em toda a parte, há generosidade e beleza mesmo por entre o terror.
 
Conhecemos os grandes gestos generosos de rebelião, como o de Aristides Sousa Mendes e outros. Mas e os pequenos gestos generosos? Os de todos os dias? Os que aconteceram também entre os alemães, de uma rebelião muito mais perigosa e assustada? E aqueles a quem o nazismo não apelava, que nada viam nele senão o pavor que de facto era?
 
Este é essencialmente um livro sobre gente pequena - e grande - como essa. Não é sobre a guerra, propriamente, nem sequer sobre o roubo de livros, propriamente. É sobre uma  rapariga alemã e a sua família emprestada, também alemã, os seus amigos, um apenas judeu, os seus vizinhos alemães, todos exteriormente obedientes, saudando heil Hitler e mandando os seus filhos para a Juventude Hitleriana ou para a guerra, mas nem todos adeptos dessa ideologia fanática e distorcida que motivou os horrores da segunda grande guerra. Todos, porém, igualmente afectados por ela. Todos esfomeados, todos aterrorizados, todos cautelosos. Alguns terrivelmente feridos, outros generosos, de uma forma tímida, escondida, culpada, medrosa, como não poderia deixar de ser.
 
Não há comiseração aqui. Talvez porque é a morte quem nos narra a história. Uma morte com coração, apesar de tudo, gentil com as almas que recolhe, tão mais gentil quanto melhor tenha sido a alma, pagando amor com amor. Uma morte quase humana, mas com uma clareza intemporal acerca do homem e da vida, exposta de uma forma poética que me enlevou. Com um estranho fascínio pela humanidade e as suas contradições. Uma morte que se dá ao trabalho de recolher e preservar carinhosamente um rascunho de um livro escrito por uma menina.
 
Não é uma história feliz, como poderia ser? Mas, por entre toda a inevitável perda, toda a tristeza, todo o claríssimo horror, há momentos de alegria. É uma história agridoce, que abarca todos na mesma luz meiga e dura da juventude, por vezes um pouco confusa , com momentos de sarcasmo, em particular quando se refere à 'praga' que eram os judeus. Praga descrita com amor no coração, não pelos judeus em específico, mas pelo homem.

Há momentos inocentes. Momentos de uma culpa horrenda. Momentos extremamente belos. Momentos extremamente tristes. Momentos que são ambas todas estas coisas e que me arrancaram deliciosos rios de lágrimas.
 
Diz a morte-narradora, entre muitas coisas que, se fosse uma 'sublinhadora de palavras', teria sublinhado:
 
"Um humano não tem um coração como o meu. O coração humano é uma linha, ao passo que o meu é um círculo, e eu possuo a interminável capacidade de estar no sítio certo na altura certa. Consequentemente, estou sempre a encontrar humanos no seu melhor e no seu pior. Vejo a sua fealdade e a sua beleza, e pergunto-me como pode a mesma ser ambas. Ainda assim, eles têm uma coisa que eu invejo. Os humanos, quanto mais não seja, têm o bom senso de morrer."
pág. 413

1 comentário:

djamb disse...

Eu gostei muito da simplicidade deste livro, dando a impressão que o autor anda sempre com pézinhos de algodão em cenários sensíveis e penosos. Consta que vem aí a adaptação para o cinema, pelo que será mais uma oportunidade de rever esta bonita história :)
Boas leituras!