Trocado por miúdos: os primeiros parágrafos do primeiro livro completo que escrevi.
Hoje apeteceu-me mexer-lhe. Fui reler estes parágrafos, descobri que continuo a gostar deles. Voltei a alterar uma coisita ou outra, como faço sempre que pego nalgum texto. A writer's work os never done.
Chama-se desde sempre Senhora do Rio - já assim era muito antes da Phillipa Gregory ter um com um nome parecido. E é, claro, fantasia. Tem, texto original, 371 páginas A4.
Um dia arejo-o.
Por ora, aqui vai.
A manhã chegava devagar, agreste
mas prenhe de luz e promessa. Uma brisa ligeira trazia dos altos picos o frio das
neves eternas, que se propagava no ar limpo da madrugada e arrastava dos campos
os odores estimulantes da erva nova e da terra molhada. Os perfumes riam-se do
gelo, amaciando o ar e anunciando para breve a chegada do verão. O sol revelava-se
pouco a pouco em violetas e dourados suaves, os raios deslizando nas encostas,
acendendo lentamente os contornos ferozes das montanhas. Fazia-as maiores, mais
poderosas.
De pé na torre de vigia, Gunthur
arrepiou-se. Esfregou os olhos cansados. Desistira de lutar outra vez para
adormecer. Em vez disso, obedecera ao desejo de ver o seu reino despertar, de
ver a sua gente chegar à cidade. Era madrugadora, a sua gente, a maioria
levantara-se das suas camas de madeira rude ou de palha fresca muito antes do
romper da manhã. Chegavam primeiro os que tinham a sorte de possuir alguma pequena
carroça e um burro. Gunthur viu-os subir pesadamente, rodas chiando, uma
procissão modesta e silenciosa. Mais tarde, quando o sol começasse a aquecer as
pedras do castelo, viriam os outros, os que viajavam de mais longe, de outras
encostas nesse seu reino, e os que, sem o auxílio de uma besta que os ajudasse
a carregar o seu fardo, arrastavam as liteiras com os seus produtos com a força
dos próprios braços. Vinham como se o
caminho não lhes pesasse, as pernas fortes habituadas ao esforço de trepar o
íngreme caminho, montanha acima, em direção ao mercado que se organizava
diariamente à sombra do Palácio, dentro da Muralha Real. Era mais fácil agora, depois
do degelo, quando os pés já não se enterravam na neve até esta encher as botas,
a queimar a pele e fazer doer os
artelhos.
1 comentário:
Bem, se este foi o primeiro livro que escreveste, eu fico com inveja. Está bem escrito e as descrições estão muito boas. Só não gosto é de livros que começam por descrever paisagens/meteorologia. :D Fora isso, já escrevias bem desde o início.
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