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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Os primeiros do primeiro

Trocado por miúdos: os primeiros parágrafos do primeiro livro completo que escrevi.
 
Hoje apeteceu-me mexer-lhe. Fui reler estes parágrafos, descobri que continuo a gostar deles. Voltei a alterar uma coisita ou outra, como faço sempre que pego nalgum texto. A writer's work os never done.
 
Chama-se desde sempre Senhora do Rio - já assim era muito antes da Phillipa Gregory ter um com um nome parecido. E é, claro, fantasia. Tem, texto original, 371 páginas A4.
 
Um dia arejo-o.
Por ora, aqui vai.


A manhã chegava devagar, agreste mas prenhe de luz e promessa. Uma brisa ligeira trazia dos altos picos o frio das neves eternas, que se propagava no ar limpo da madrugada e arrastava dos campos os odores estimulantes da erva nova e da terra molhada. Os perfumes riam-se do gelo, amaciando o ar e anunciando para breve a chegada do verão. O sol revelava-se pouco a pouco em violetas e dourados suaves, os raios deslizando nas encostas, acendendo lentamente os contornos ferozes das montanhas. Fazia-as maiores, mais poderosas.
De pé na torre de vigia, Gunthur arrepiou-se. Esfregou os olhos cansados. Desistira de lutar outra vez para adormecer. Em vez disso, obedecera ao desejo de ver o seu reino despertar, de ver a sua gente chegar à cidade. Era madrugadora, a sua gente, a maioria levantara-se das suas camas de madeira rude ou de palha fresca muito antes do romper da manhã. Chegavam primeiro os que tinham a sorte de possuir alguma pequena carroça e um burro. Gunthur viu-os subir pesadamente, rodas chiando, uma procissão modesta e silenciosa. Mais tarde, quando o sol começasse a aquecer as pedras do castelo, viriam os outros, os que viajavam de mais longe, de outras encostas nesse seu reino, e os que, sem o auxílio de uma besta que os ajudasse a carregar o seu fardo, arrastavam as liteiras com os seus produtos com a força dos próprios braços. Vinham  como se o caminho não lhes pesasse, as pernas fortes habituadas ao esforço de trepar o íngreme caminho, montanha acima, em direção ao mercado que se organizava diariamente à sombra do Palácio, dentro da Muralha Real. Era mais fácil agora, depois do degelo, quando os pés já não se enterravam na neve até esta encher as botas, a queimar a pele  e fazer doer os artelhos.

1 comentário:

Ana C. Nunes disse...

Bem, se este foi o primeiro livro que escreveste, eu fico com inveja. Está bem escrito e as descrições estão muito boas. Só não gosto é de livros que começam por descrever paisagens/meteorologia. :D Fora isso, já escrevias bem desde o início.