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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O caminho mais fácil

Em Big Fish, de Tim Burton (e também no livro Big Fish, a Novel of Mythic Proportions, de Daniel Wallace), há um momento em que a personagem central, Edward Bloom, sai da sua pequena cidade acompanhado por um gigante, em viagem de auto-descoberta, e se vê de súbito perante uma encruzilhada. Há dois caminhos, Um aberto e limpo e fácil, o outro através de uma floresta obscura e certamente muito mais perigoso. Ed escolhe o mais difícil, ou não fosse este um filme sobre o crescimento pessoal e sobre a auto-criação de um mito - e que mito se cria sem que sejam ultrapassados inúmeros obstáculos, mesmo que fantasiosos e fantasiados?
 
A floresta tem signifcados mais ou menos óbvios, sobretudo uma escura e retorcida: Jung aponta-a mais ou menos como arquétipo de inconsciente, uma representação das pulsões profundas do corpo. Não está muito longe do que Freud podia dizer dela e dos seus meandros, pois não? O inconsciente, o sonho - ou pesadelo - os labirintos da mente repleta de pulsões da infância. Uma espécie de adolescência, se calhar, se quisermos, confusa e bela e terrível ao mesmo tempo. De uma ou outra forma, conquistá-la ou ultrapassá-la e sair intacto do lado de lá implica uma etapa vencida, um crescimento pessoal.
 
Mas no que penso hoje é nesta escolha. Ed optou pelo caminho mais difícil porque desejava a aventura e queria deixar de ser um little fish no seu little pond. E nós, peixinhos de cardume?  Pergunto-me se é uma escolha que  fazemos diariamente, de forma automática. Apercebo-me que sim, claro. Rolo os olhos de tão óbvia a resposta.  Eu, por exemplo, escolho constantemente entre levantar-me ou ficar na cama. Corrigir aqueles trabalhos ou deixar para amanhã. Esforçar-me por 'domar' uma turma para que pelo menos os que o desejam possam aprender, ou deixá-los fazer o que quiserem e cansar-me menos. Rever um texto que nesse momento me desagrada ou enfiá-lo de vez na gaveta. Ralhar com os meus filhos para que eles próprios façam a escolha produtiva, e não a mais fácil... Ser adulta e responsável e útil, ou fazer aquela birra que tanto me apetece e mandar o mundo a um certo sítio.
 
Não tenho dúvidas de que sou um peixinho bem pequeno, e as escolhas que faço só são importantes para os que me pertencem. Os demais nadam hoje comigo, amanhã noutro mar. Tenho trabalho para fazer, um jantar para preparar, tpcs dos filhos para confirmar se foram feitos, mas mudo vida de alguém por isso? O mundo fica melhor? Esta tarde apetece-me o caminho fácil. Estou cansada até aos ossos. Apercebo-me de que ando muitas vezes assim, com uma espécie de cansaço do mundo que não sou capaz de sacudir. Por isso um desabafo, e depois adeus.Vou para o sofá enrolar-me num cobertor, ler e tentar curar a dor de garganta.
  
 

3 comentários:

Olinda Gil disse...

Julgo que certos cansaços nos aparecem quando andamos mais embaixo, como tu estás agora, embaixo fisicamente.
A profissão de professor/a também não ajuda nada a esse sentimento. É uma profissão muito esgotante.

Unknown disse...

Carla,
as melhoras para a tua garganta e para tudo o resto.
Não conseguimos mudar o mundo. Falo por mim, evidentemente, mas sei que é assim.
Durante muito tempo padeci desse cansaço e dessa incapacidade em lidar com o negro que me aparecia no canto do olhar. Solução? Passei a direccionar a vista para outro lado. O negrume continua lá. Eu bem o sinto. Mas não lhe ligo e ele acaba por se cansar. ;)

Cristina Torrão disse...

Porque não se há de, de vez em quando, optar pelo caminho mais fácil? Quem nos vai censurar? Deus?!
Queremos ser sempre melhores, superar-nos a nós próprios, e esquecemo-nos de que há uma vida para viver. Uma vida que consiste de pequenos nadas, coisas, à primeira vista, insignificantes, mas só porque não nos damos ao trabalho de reparar nelas. Não temos de tentar sempre agarrar as estrelas. Muitas vezes, o que está aos nossos pés faz-nos mais felizes.