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domingo, 13 de janeiro de 2013

O Sorriso aos Pés da Escada - Henry Miller

Uma opinião breve de um conto breve, e uma citação...
 
O Sorriso aos Pés da Escada é um pequeno conto que tem como personagem central Augusto, um palhaço famoso e, como diz o próprio Miller, uma construção formal surrealista. 
 
E essa a impressão com que se fica do texto e da história, a de um homem - um palhaço - hesitante na sua identidade, a de um jogo de máscaras e do despir das máscaras que torna impalpável a froneira entre realidade e sonho. Não que o leitor perca essa noção, o sonho é apresentado como sonho e a realidade não é irreal, mas a impressão geral da história é de onírismo. Tavez por se passar parcialmente num circo, talvez por algumas passagens do texto sugerirem pinturas de grande fantasia - como a de uma escada suspensa até ao céu, com a lua gorda por cima e um homem em plena queda. Ou como a de um circo cheio, as bancadas mergulhadas na semiobscuridade, os projectores ligados sobre um palhaço, que por alguma razão imagino de cara branca como um mimo.
 
Há ideias que se transmutam noutras, que se perseguem à procura do verdadeiro eu, sem linearidade de tempo. Há um tempo, dia e noite, hoje e amanhã, e um espaço, o da cidade e o do circo, mas o que verdadeiramente interessa é o da procura do protagonista. O da procura de si próprio, da felicidade, da autenticidade, que segura e lhe escapa dos dedos em situações que parecem suspensas entre o sonho e a realidade, a esperança, a certeza, a dúvida, o desalento. 
 
Devo confessar que, ao contrário de Miller, não gosto de circo. Não gosto de palhaços, nem um bocadinho. Mas aqui ocorre-me a expressão idiota "palhaço neste circo que é a vida" - porque como Augusto, entre a fama e a anonimidade todos nos procuramos ao longo da vida. E encontramo-nos e perdemo-nos, ou descobrimos que nunca nos encontramos afinal, e continuamos à procura.
 
Uma nota para dizer que se trata de uma edição distribuída neste Natal pela Digal, com ilustrações muito interessantes, a preto e branco, de Frederico Rocha.
 
Sobra-me uma citação do epílogo, que diz respeito ao acto criativo e reproduz muito bem o que muitas vezes tenho dito. Reza assim:

"Sejamos sinceros e verdadeiros, nós não inventamos o que quer que seja, pedimos emprestado e recriamos. Destapamos e descobrimos, pois tudo nos foi dado, como dizem os místicos."

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