Páginas

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A cobra deita a pele

em http://dylanguest.com/sculpture/rebirth/


Ela deitou-se no chão onde devia ensaiando primeiro a temperatura da mudança, tomou dentro do peito um grande ar, estendeu longo um braço antes do outro, quebrou os dois pela altura natural do cotovelo. Dobrou-se depois para dentro de lado no chão, braços entre as pernas cabeça entre os joelhos, costas curvadas sobre si mesma, calcanhares nas nádegas, olhos fechados, por esse tempo voltar ao ovo. Deu-lhe a inquietação de quem não sabe de princípios e fins. Quieta, shht, quieta um momento antes de existir. Soltou de dentro do peito um grande ar que lhe levou das entranhas da mioleira o que restava.
 
A cobra deita a pele quando lhe aperta os costados, não se agarra a ela como ouro, pensou lá de dentro com o último pensamento antes do escuro sem ar.
 
Depois do rolar de muitos firmamentos sobre o seu silêncio abriu os olhos para o negrume dos olhos. Deitada no chão ainda era a temperatura da mudança mas quando a mudança está feita. Atreveu-se às pontas do dedos para saber se já era nova. Doeu-lhe na cara quando sorriu, dias havia ainda antes de acostumar-se. Ficou-se assim toda quieta mais uns instante, a tomar um fôlego pequeno, outro maior, perceber se também lá dentro estava nova ou se era o respirar de sempre. Nem uma coisa nem outra coisa, respirar era respirar, para dentro para fora e o ar do mundo era sempre o mesmo. Estendeu uma perna com o estalar feliz do osso, outra perna e os braços como aranha rosada e dolorosa no solo.  Demorou mais a pousar a nuca onde a nuca deve estar, na parte de trás do pensamento, e só depois lhe veio a luz, muitos aos poucos como manhã a nascer. Empurrou os restos da si mesma com a ponta enojada de uma unha, até voarem para lá do precipício do mundo como papéis queimados.  No fim ergueu-se e viu-se. E arrepanhou-se-lhe outra vez a cara dorida na alegria de estar inteirmamente de novo na terra.
 
 
 

Sem comentários: