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domingo, 16 de dezembro de 2012

O Fio do Tempo - João Paulo Oliveira e Costa

Sinopse:
4 de Outubro de 1500. Um homem contempla Lisboa à janela dos seus aposentos, no paço da Alcáçova. Tem 101 anos, e é o último conquistador de Ceuta vivo. Enquanto aguarda a inevitável visita da morte, D. Álvaro de Ataíde recorda a sua vida aventurosa: servidor da Casa de Viseu, conquistou Ceuta, lutou na Guerra dos Cem Anos, foi campeão de justas e torneios, sofreu em Tânger, ajudou a criar as caravelas, visitou a Guiné, ganhou fama na Borgonha, esteve em Alfarrobeira, na tomada de Arzila e na batalha de Toro. Conselheiro de reis e de duques, assistiu às lutas políticas e às tragédias do século XV português; viu a sua Casa ascender com D. Henrique e D. Fernando, cair em desgraça com D. Diogo, para finalmente subir ao trono com D. Manuel. Assistiu ao novo rumo que o destino de Portugal tomava, mudanças que o seu escravo, um guinéu que se entregava à prática da feitiçaria, acreditava terem acontecido graças à maldição que lançara sobre el-rei de Portugal.
Opinião:
Este livro vai buscar o seu nome ao fio de areia que escorre de uma para a outra metade de uma ampulheta, marcando o passar do tempo. A ampulheta é, precisamente, o objecto que acompanha a figura central deste livro, Álvaro de Ataíde, personagem fictícia mas que podia ter sido real. Todas as personagens centrais da história foram criadas pelo autor, mas a sua integração na História de Portugal no século dos Descobrimentos, a sua interação com figuras que não o são - reis e outros do nosso país - e a sua densidade tornam-nos credíveis e interessantes. São várias as que se cruzam com o protagonista, como não podia deixar de ser numa vida tão longa, mas há um núcleo que o acompanha sempre, vivos primeiro, e depois mortos, que o seguram e lhe tornam suportável a vida quando esta ameaça tornar-se demasiado pesada. Desavenças e jogos políticos, nascimentos e mortes, amores e vinganças enleiam-se sem mácula nos acontecimentos históricos, e carregam-nos ao longo de 100 anos, ou quase, nos braços de um homem particularmente resistente, que aos 80 anos ainda guerreava, e aos 92 cavalgou toda a planície alentejana em grande urgência, acompanhado apenas pelos seus fantasmas, foi ferido e sobreviveu, se curou de lepra em Cabo Verde com sangue de tartarugas, acompanhou navegações e o tráfico de escravos, amou e perdeu.
 
Não é, todavia, a única personagem interessante: está rodeado de personagens quase tão interessantes, que vão caindo em batalha ou de outras formas, como seria inevitável ao longo de um século. Destaco a que aparece com mais persistência, Vasco, seu "neto" emprestado, espião da Casa Real com um sem número de tiques nervosos, como mexer incessantemente  nariz, ou gaguejar.
 
Gosto francamente de História e, como tal, é quase inevitável que um romance histórico bem escrito me agrade. Este está bem escrito, por um historiador que sabe o que diz, numa linguagem acessível, com acção interessante e bons diálogos, com frequência divertidos.  
 
No entanto, requer uma leitura atenta, porque o autor recua e avança, como que ao sabor das recordações da personagem. Por exemplo, se um acontecimento é referido, é quase certo que em seguida recuamos os anos necessários para narrá-lo - e não só na vida de Álvaro de Ataíde, mas noutras. Está tudo datado, mas exige uma atenção suplementar às datas da porção anterior de texto e daquela que se está a ler. OU aos acontecimentos, se estivermos muito familiarizados com a História de Portugal.
 
Esta estrutura não facilita a leitura, pode desorientar, sobretudo para quem estiver distraído ou não dominar esta época, e os nomes dos reis e de outras figuras importantes, como eu. Sou uma maraviha com nomes que não interessam para nada (de filmes, com os respectivos actores, por exemplo) e uma desgraça com nomes da História, da política, etc, mesmo actuais. Não ajudou ter sido uma leitura muito interrompida pelo dia a dia, pelo cansaço, etc. Cheguei a pensar em imprimir uma cronologia dos reis e principais acontecimentos da época, para ir seguindo com mais facilidade. O que não pensei foi em desistir, porque, mesmo quando estava meio perdida no tempo, nunca deixei de interessar-me pelos acontecimentos, pelas personalidades, pelos pormenores curiosos da História que não conhecia ou de que não me lembrava.
 
E verti mesmo uma lágrima comovida no final da história. É bonita a forma como este homem de mais de 100 anos parte. Agradeço à minha amiga Ana Cristina Antunes, professora de História e estudiosa publicada de História Local, que achou que eu devia gostar e mo emprestou. Gostei mesmo muito.
  

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