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domingo, 4 de novembro de 2012

Há quem faça terapia

e quem desabafe com o(a) melhor amigo(a), quem tome comprimidos, quem faça exercício, quem apanhe uma boa bebedeira, enfim, há milhares de maneira de libertar a tensão e reequilibrar o espírito.
 
Eu escrevo. 
 
E porque é assim, não escrever deixa-me de mau humor. Se for porque não tenho tempo ou estou demasiado cansada, como tem acontecido, pior ainda. Fico deprimida, com a autoestima de rastos, qualquer brisa me derruba.
 
Fico feliz por anunciar que hoje, por fim,  acabei um capítulo difícil do livro que estou a escrever, O Cavalheiro Inglês de seu título provisório. 
 
 
YUUUPPPPIIII!!!  I'm back!
 
Resta saber por quanto tempo.
 


Aqui fica um cheirinho, já sabem que por rever e... bom, sem revelar grande coisa! ;)
 
 
Sofia impertigou-se, com os dedos apertados em torno da chávena de chá, ainda meio cheia. Contou até dez, depois até vinte, e pousou-a devagar, hesitante. Respirou fundo. Era uma pena, ia saber-lhe mesmo bem vê-lo a pingar... mas já não era uma menina e não ia ceder ao impulso! Sabia muitíssimo bem o que dizia, porque, ao contrário dele, já tinha conversado várias vezes com o rapaz do talho, e também com a mulher da fruta e fazia, às vezes, perguntas à Fernandinha... e também tinha ouvido falar do ultimato dos ingleses, por causa de uns territórios em África e, sim, sabia que D. Carlos e o governo tinham cedido num instante, um mês ou menos. Falara-se disso por todo o lado, até nas soirées e nos salões de chá, durante muito tempo... ainda se falava, pelos vistos, apesar de terem passado quase dois anos. Sebastião, claro, assumira que ela vivia noutro mundo.

- És um palerma da pior espécie, sabias? – explodiu, fora de si – Um idiota com a mania que é mais inteligente do que o mundo! Digo-te mais, géniozinho, não percebo o motivo de ainda haver tanto falatório sobre os ingleses e as Áfricas... ficam para aí do outro lado do mundo! E já passaram dois anos, Deus meu!

Sebastião olhou para ela de boca aberta, e Sofia mordeu o lábio, arrependida de falar sem pensar. Na sua impulsividade, acabara de comprovar o que Sebastião acabara de dizer, com certeza, que era uma tonta, perdida nos seus romances de amor. Não era verdade. Sabia que o reino estava em plena crise, em parte por causa do muito dinheiro que se afundara lá, na esperança de um retorno que não viera. Podia ser que a culpa fosse dos britânicos, sim, afinal até na metrópole a indústria era praticamente dominada pelos estrangeiros. Não era ignorante, lia os jornais!

O que gostava era de ter alguém cá em casa que conversasse comigo sobre estas coisas, pensou, desgostosa. Ninguém se lembrava dela, nem o irmão. Deitou-lhe um olhar aborrecido. Ah! Se é para o fazer com este ar condescendente, muito obrigada! Faz de propósito para eu perder a cabeça e dizer disparates.

Ficou a vê-lo pegar na sobrecasaca e no chapéu, contornar apressadamente o excesso de mobiliário e sair, ainda a sacudir a cabeça e a resmungar, provavelmente contra a estupidez das irmãs mais novas. Devia ir afogar as suas mágoas políticas e familiares com os amigos, ou no colo alvo da noiva.

- Ai, pobre Vina, o que vais ter que aturar! – exclamou, respirando fundo para afastar os vapores da raiva.

Deu um passo ou dois em direção ao canapé, onde os amores e desamores já familiares de Jorge e Berta a esperavam, e parou. Voltou para trás, hesitante, e ficou a olhar para as letras negras do periódico, pensando se valeria ou não a pena lê-lo. Não era que não gostasse de jornais, mesmo os políticos. Eram um pouco como livros, às vezes mais entusiasmantes, outras vezes menos, mas também os livros eram assim. Os artigos até eram, em ocasiões, muito bem escritos por gente conhecida, o Eça ou o Ramalho Ortigão, às vezes o Teófilo. Sorriu. Que diria o irmão, se soubesse que Sofia lia até ao fim, com muita frequência, as páginas que ele abandonava a meio? Hoje, porém, sentia-se um pouco distraída, um tanto saudosa da infância, quando o seu único problema era a eterna neblina de Sintra. Hoje preferia afundar-se em amores familiares, mesmo desgraçados, mas o irmão tinha-a irritado, fazendo-a passar por tola.

- Ora bem. Vamos lá ver o que se passa nesta terra.

Sentou-se onde o irmão ainda agora estava instalado, e abriu o jornal.
 
(e aqui acaba o capítulo 1)

 

3 comentários:

Ivonne Zuzarte disse...

E adorei, Carla! ^_^

Mas já sabes, eu fiquei fã incondicional das tuas histórias!! :P

Que venha daí esse "Cavalheiro Inglês" que só o título (provisório) já me faz sonhar por mais!

Cristina Torrão disse...

Esta Sofia promete ;)

"Ninguém se lembrava dela, nem o irmão" - uma grande frase, um bom exemplo da quantidade de sentimentos que se podem despoletar com palavras tão simples.

Olinda Gil disse...

Tb eu fico de mau humor quando não escrevo.

Belo capítulo: tomaste-lhe o gosto