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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A Grande Mão - excerto 8, o último

É o último excerto. Fugi aos spoilers, correndo o risco do produto completo não corresponder 100 % à ideia que os excertos deixam. Espero que não.
Notícias em breve sobre esta versão experimental do livro.

   Nolan e Eirina viram-se de repente envolvidos na preparação do exército improvisado, horas a fio nos campos de treino, seguidas de longas reuniões com os capitães, estudando os mapas. Havia um sentimento geral de urgência, e também de frustração. Os homens que Suma enviara ao Lore tinham regressado com a confirmação de que um exército de muitos homens atravessava o Lore.
    - Contam com o elemento de surpresa.
    - E tê-lo-iam, se não fossem estes três. – resmungou Suma, a quem a preocupação reduzia a ordens e monossílabos.
   - Não temos armas suficientes, nem soldados suficientes, - contrapôs Orthan, o chefe da guarda, de trás da sua barba farta– e a maior parte dos que temos têm uma experiência muito escassa. Brigas e ladrões. Nenhum dos nossos viu uma batalha. As nossas hipóteses de resistência são muito reduzidas.
   - E o que propões, uma rendição? Entregar o Lin a esse filho da puta sem dar luta? – rosnou Suma, inclinando-se para a frente na sua fúria – Se sentes que não és capaz, cede o teu lugar a esta rapariga, que atravessou as províncias e se meteu pelo Passo Solto para cá chegar.
Ortah endireitou-se.
   - Sou capaz.
   - Então faz o teu trabalho. A batalha vem aí quer o desejemos quer não, e não temos outra hipótese senão dar o nosso melhor e resistir. Se cairmos, pelo menos será com a cabeça erguida e a consciência de que lutamos pela nossa cidade.
   Suma estava furioso com Torsten, que seria, como Felix, o arauto do sofrimento da sua gente, mas também com pai, por não ter antecipado esta possibilidade, e sobretudo consigo próprio. Cabia-lhe zelar pelo Lin e pelos que lá viviam. Issoo devia ter incluido uma vigilância mais apertada e muito mais cautela. A Mão parecera-lhe um fim do mundo, e quase se esquecera de que, para além dela, podiam odiá-lo. A sua falta de visão estava agora a ser duramente castigada, e ele talvez o merecesse. Mas a sua cidade não. As gentes nas quintas e vilórias do planalto, que decerto já tinham visto as suas casas e quintas pilhadas pelos atacantes, menos ainda.
   Os homens traziam notícias regulares do avanço da Mão. Suma tinha agora uma ideia do seu número, da variedade das suas forças, e tremia perante elas. Reunira tantos soldados quantos pudera mas, por muito que os seus Capitães e homens mais experientes, e Nolan e Eirina com eles, corressem de uma para outra área de treino todo o dia, era impossível preparar os homens para se bater, ao mesmo tempo, contra os Corvos, os homens da Azuria, os da montanha do Passo Solto, do Lagarto e, a julgar pelo que Nolan dizia, uma imensidão de gente sem escrúpulos e com métodos imprevisíveis de luta. De vez em quando, Eirina vinha, apressada, trocava um olhar com Nolan, algumas palavras, apertava-lhe os dedos, e voltava a afastar-se. Nolan sentia uma falta desesperada da sua presença, quando à noite se estendia, esgotado pelo cansaço e pela solidão, no isolamento do seu quarto. Nessas horas mais escuras, a runa ardia, não sabia se por causa do perigo, ou como reflexo do fogo que lhe consumia a alma. Lembrava-se mais de Tulock, da noite em que o Corvo o levara. Lembrava-se dos rapazes que vira morrer, dos homens que tinha morto, pensava nos que ia matar e ver morrer, e tremia, com o cheiro e a premonição da morte nas suas veias. Matar era morrer um pouco. Como seria estar rodeado pela morte, imerso nela, durante horas, talvez dias?
   Continha-se, então, para não procurar Eirina. Acostumara-se a estar sempre com ela, a partilhar os pensamentos, mas Eirina ficava agora na ala das mulheres, longe dele. E, se até aqui, perto dela, fora capaz de controlar o desejo, de diluí-lo na urgência da viagem, agora, à beira do fim, queria-a com desespero, aplacar o medo no seu corpo e no seu espírito combativo mas doce, perder-se nela, esquecer‑se do que o esperava, do mundo, na vibração entre os dois. Tinha medo por ela, porque nada lhe importava mais do que a sua vida. Receava que acabassem separados, na batalha. Como podia protegê-la, se não estivesse ao seu lado? Que lhe interessava viver, se ela caísse na batalha? Dias e noites fundiam-se na mesma urgência e na mesma aflição, na mesma exaustão frustrada, com a  certeza de que, a qualquer momento, a notícia chegaria. Aconteceu a meio da segunda semana.  Chamados por Suma, Nolan e Eirina entraram no salão, encontrando-o em profunda concentração, debruçado com os seus capitães sobre os planos da batalha. Suma fez-lhes sinal para que se aproximassem.
   -  O meu homem diz-me – apontou para a figura barbada semioculta nas sombras – que Torsten já está na floresta.
   Eirina susteve a respiração. A notícia era esperada. Recebê-la era outra coisa.  O coração desatou a rufar, ensurdecedor, um tambor a anunciar a batalha. Agora, chegaria num instante. No dia seguinte, talvez. Antes? Não estavam preparados.
   Alguma vez estaremos?, perguntou-se. Tantosna cidade ão quiseram partir! Oxalá tivessem ido todos.
   - Os homens estão prontos?
pág 351-52

1 comentário:

djamb disse...

Que inspiração, Carla! É admirável!
Eu também tenho ideia de escrever um livro mas são tantas as histórias e estilos em que penso que acabo por não me decidir. Qual será o truque, afinal?
Parabéns!
Boas leituras!