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sábado, 28 de julho de 2012

A Grande Mão - excerto 1



 
A revisão d'A Grande Mão já vai a meio. Até terminar, vou publicar de quando em quando um excerto do texto revisto. Estes são os primeiros parágrafos, que já uma vez aqui deixei sem revisão.

A capa aqui ao lado é provavelmente provisória...pode ser que eu aprenda a trabalhar com o photoshop!

Divirtam-se!



Nolan puxou as suas redes pela terceira vez nessa manhã, olhou para elas e soltou um palavrão irritado. 
- Vazias outra vez!- exclamou, observando o único peixinho que apanhara, uma coisinha insignificante que se debatia para libertar o corpo luzidio das malhas que o prendiam. Suspirou, olhando para o animal e sentindo-se, por um momento, tão enrodilhado como ele. Não gostava de pescar nem sabia fazê-lo, mas a tarefa fastidiosa cabia-lhe, dia sim, dia não. Franziu o sobrolho ao peixe. - Tu não tiras a fome a ninguém, bicho. Vai à tua vida.
Desembaraçou o animal dos nós, com um suspiro resignado, e devolveu-o à água. Nunca ficava com o que não se pudesse comer, era matar sem razão. Sentou‑se, pesado, sentindo a pequena vida formigar nas pontas dos dedos e a pedra a pulsar-lhe junto ao peito, suspensa do gasto cordão de cabedal velho onde a trazia. Era sempre assim, esse cansaço, quando lhe passava pelas mãos a decisão sobre a vida ou a morte. Ao esmagar inadvertidamente um inseto, ao poupar a vida a um pardal, ou sempre que a sua flecha trespassava o coração de um cervo inquieto ou a pele dura de um javali. Sentia o sangue do bicho correr-lhe nas veias, e a pequena pedra trabalhada, cujas inscrições não compreendia, aquecia até quase lhe queimar a pele. Sentia a energia que emanava, sem saber como nem porquê. Nem de onde vinham a pedra ou a percepção da vida e da morte.
Inspirou fundo e voltou a lançar as redes, prometendo que era a última tentativa nesse dia. Que nulidade era na arte irritante da pesca!
- Arte! Só o idiota do Tullock é que pode achar que isto é uma arte!
Pensou nele, à cata de raízes e frutos, e em Ianca, entediado, escondido numa moita qualquer, vigiando descuidadamente a sua presa. Preferia estar no seu lugar, agachado e imóvel, franzindo os olhos para aguçar a visão, seguir as passadas incertas de algum javali... quando o animal parasse para fuçar no chão, à procura de alguma raiz suculenta, esticaria a corda do arco até vibrar entre os seus dedos, encheria o peito... quase podia sentir o cheiro a terra, e depois o bater do coração da pequena besta no seu, quando ela se apercebesse da sua presença. A flecha soltar‑se‑ia, cortaria o ar com um assobio único, e o seu próprio coração susteria a batida por um segundo, não mais do que isso, enquanto a vida se esvaziava do corpo do animal. Ianca não se aperceberia desse momento precioso. Caçaria a sua presa e desmanchá-la-ia, arrancando primeiro a flecha da carne macia, sem um lamento, sem uma prece. Para Nolan, caçar era ao mesmo tempo prazer e dor. Gostava da excitação, da perseguição, mas o ato de matar trazia-lhe sofrimento.
- Já chega. - decidiu, espreitando o magro produto da sua pescaria - Chega. 
pag. 5-6

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