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quinta-feira, 7 de junho de 2012

A Sul da Fronteira, a Oeste do Sol - Haruki Murakami

Sinopse:
Na primeira semana do primeiro mês do primeiro ano da segunda metade do século XX, ao protagonista, que também faz as vezes de narrador, é dado o nome de Hajime, que significa «início». Filho único de uma normal família japonesa, Hajime vive numa província um pouco sonolenta, como normalmente todas as províncias o são. Nos seus tempos de rapazinho faz amizade com Shimamoto, também ela filha única e rapariga brilhante na escola, com quem reparte interesses pela leitura e pela música. Juntos, têm por hábito escutar a colecção de discos do pai dela, sobretudo «South of the Border, West of the Sun», tema de Nat King Cole que dá título ao romance.
Mas o destino faz com que os dois companheiros de escola sejam obrigados a separar-se. Os anos passam, Hajime segue a sua vida. A lembrança de Shimamoto, porém, permanece viva, tanto como aquilo que poderia ter sido como aquilo que não foi. De um dia para o outro, vinte anos mais tarde, Shimamoto reaparece certa noite na vida de Hajime. Para além de ser uma mulher de grande beleza e rara intensidade, a sua simples presença encontra-se envolta em mistério. Da noite para o dia, Hajime vê-se catapultado para o passado, colocando tudo o que tem, todo o seu presente em risco.

Opinião:
Levamos mais de dois terços deste livro sem perceber este lindíssimo título. Sabemos que está relacionado com a música, se tivermos lido a sinopse ou soubermos de música, e sabemos que a personagem aprecia a música, mas não encontramos com facilidade uma ligação. E quando a explicação os é finalmente oferecida, franzimos o sobrolho - que rebuscado - mas depois sorrimos.
"Claro, o que esperavas" perguntei a mim própria nessa "senão uma metáfora, uma alusão, uma alegoria, ou o que quiseres chamar-lhe?"

Não que este pequeno grande livro sobre o vazio seja difícil de entender. A história quase vulgar, a dos desejos, ilusões e traições de um homem quase vulgar... vistos de fora. Só que a esta história não se assiste de fora, mas de dentro desse homem de quase quarenta anos, que narra a sua vida - ou o que, na sua vida, o conduziu ao momento em que o deixamos. E, embora não exista nele nada de particularmente atraente e não se trate de nenhuma criatura nobre -  pelo contrário   vive uma dualidade emocionalmente desonesta - nem na história algo de particularmente invulgar...

Oops. Minto.
Existe na história, a partir de certo ponto, uma aura de mistério envolvendo a vida de uma personagem feminina regressada do passado, que a torna mais estranha, mas nunca ao ponto do outro livro do autor que li, Dança, Dança, Dança. Sobre ela não posso falar, porque pouco sei e porque me arriscaria a estragar a leitura a quem se interesse. Posso apenas adiantar que nos divide, enquanto leitores. O que desejamos para as personagens? Que fim é mais autêntico, mais indicado, qual nos agradaria? Eu não cheguei a nenhuma conclusão, nem precisaria dela, porque felizmente o autor é Murakami. E Murakami resolveu esta questão de uma forma ao mesmo tempo misteriosa e um pouco previsível, mas muito conforme às personagens, Como se cada um pudesse ser apenas o que é e, como citei no teaser, só o deserto pudesse permanecer. Se calhar tem razao.

Mas embora 'isto', embora 'aquilo', porque nada é perfeito e momentos houve em que  eu, Ocidental do séc XXI, poderia ter esborrachado a cabeça deste Oriental do séc XX, pela naturalidade e leveza com que refere as suas pequenas traições e facadinhas (sim, é um spoiler, mas sem importância), e noutros fiquei capaz de me sentar ao seu lado e dizer "é verdade, é isso mesmo, todos somos perecíveis e às vezes andamos desorientados, nem sempre reconhecemos a realidade em que vivemos. E no fim só fica o deserto"... apesar de tudo isto, ou por isso mesmo também, acabei por gostar muito deste livro. Por qualquer coisa. Qualquer coisa.


Talvez seja a simplicidade quase poética com que escreve. Ou a proximidade dos sentimentos, mesmo se não me identifico com todos. Por ser, no fim de tudo, uma história sobre o lado de fora e o lado de dentro, de como o vazio pode crescer no centro de uma vida cheia. Uma história de desejos, ilusões, desapontamentos. E por ser uma história de amor... e não ser.

Talvez por je ne sais quoi de intangível que parece estar por trás das palavras e que nos esforçamos por segurar, por atingir. Conseguimos? Não sei bem.


1 comentário:

André Loureiro disse...

Há dois anos conheci e leio Haruki Murakami. Confesso que estou viciado em sua literatura e lamento sua obra não ter sido, na íntegra, editada no Brasil. Para mim, guardadas as devidas proporções, Murakami é um Almodóvar japonês - a despeito da acidez e bizarrice dos temas abordados, há sempre uma luz, uma esperança. Murakami não julga, descortina.